Parte II: O mundo espírita – Capítulo VII: Volta do Espírito à vida corporal – Influência do organismo

Livro dos Espíritos: linguagem simplificada - Influência do organismo

 

Influência do organismo 

 

367.

Quando o Espírito se une ao corpo (físico), o Espírito se identifica com a matéria (é a mesma coisa que matéria)?

 

A matéria é apenas um envoltório (envelope) para o Espírito, da mesma forma que uma roupa é um envoltório para o corpo. Quando o Espírito se une ao corpo (físico), o Espírito conserva os atributos (qualidades) da natureza espiritual do Espírito.

 

368.

Depois que o Espírito está unido ao corpo (físico), o Espírito pode usar todas as suas faculdades (capacidades) com total liberdade?

 

O exercício (uso) das faculdades (capacidades) do Espírito depende dos órgãos (do corpo físico) que servem de instrumento para o Espírito (se manifestar) [1]. A grosseria da matéria (do corpo físico) enfraquece as faculdades do Espírito.

 

368a.

Isso quer dizer que o envoltório material (corpo físico) é um obstáculo para a manifestação livre das faculdades (capacidades) do Espírito, como se o corpo (físico) fosse um vidro opaco que é um obstáculo para a passagem livre (total) da luz?

 

Exatamente; um vidro muito opaco.

 

 

 

 

A ação (influência) grosseira que a matéria tem sobre o Espírito pode ser comparada com a dificuldade de movimentos que uma pessoa teria se essa pessoa estivesse mergulhada em um poço de lama lodosa.

 

 

369.

O livre exercício (uso) das faculdades (capacidades) da alma depende do desenvolvimento (formação) dos órgãos (do corpo físico)?

 

Os órgãos (do corpo físico) são os instrumentos da manifestação das faculdades (capacidades) da alma. As manifestações da alma através dos órgãos (do corpo físico) dependem do desenvolvimento (completo) dos órgãos, e dependem também da perfeição daqueles órgãos. Por comparação, a excelência (perfeição) de um trabalho depende das ferramentas usadas para executar o trabalho.

 

370.

Se existe uma influência dos órgãos (do corpo físico) sobre as manifestações da alma, está correto pensar que existe uma relação entre o desenvolvimento (formação) do cérebro e o desenvolvimento (formação) das faculdades morais e intelectuais (da alma)?

 

Não confundam o efeito com a causa. O Espírito sempre dispõe das faculdades (capacidades morais e intelectuais) que são próprias do Espírito. Então, não são os órgãos (do corpo físico) que dão faculdades para o Espírito; são as faculdades do Espírito que causam o desenvolvimento dos órgãos [2].

 

370a.

Isso quer dizer que a diversidade das aptidões (talentos) existente entre os homens tem origem unicamente no estado dos Espíritos (encarnados nos homens)?

 

Não é exato dizer que a diversidade das aptidões (talentos) existente entre os homens tem origem unicamente no estado dos Espíritos (encarnados nos homens). A causa principal (mas não única) daquela diversidade está nas qualidades do Espírito (que pode ser mais, ou menos adiantado). Entretanto, é necessário levar em conta a influência da matéria (do corpo físico) que mais ou menos limita até certo ponto o exercício (uso) das faculdades (capacidades) pelo Espírito (encarnado).

 

 

 

 

Um Espírito encarnado traz certas predisposições. Se for suposto que para cada uma daquelas predisposições exista um órgão (no cérebro, sic [3]), então o desenvolvimento (formação) dos órgãos é um efeito e não uma causa [4].

 

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Se os órgãos (do corpo físico) fossem o princípio (origem) das faculdades (capacidades) do homem, então o homem seria uma máquina sem livre-arbítrio e sem responsabilidades pelos seus atos. Se fosse assim, então teria que ser obrigatoriamente admitido que os maiores gênios, cientistas, poetas, artistas só são pessoas de destaque porque o acaso deu órgãos especiais para aquelas pessoas; ou seja, sem aqueles órgãos aquelas pessoas não teriam sido gênios (etc.), e – portanto – o maior dos imbecis poderia ser um Newton [5], ou um Vergílio [6], ou um Rafael [7], desde que aquele imbecil tivesse os órgãos necessários (para ser um gênio).

 

Essa hipótese (idéia) é ainda mais absurda se ela for usada para as qualidades morais. De fato, segundo esse sistema (hipótese), um santo como Vicente de Paulo poderia ter sido um celerado (criminoso) se a natureza tivesse dado a Vicente de Paulo um corpo que tivesse certos órgãos; igualmente, o maior dos celerados (criminosos) não precisaria de nada mais do que certos órgãos para ser um santo como Vicente de Paulo.

 

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Se – ao contrário – for suposto (admitido) que a causa da existência (óbvia) de órgãos especiais (sic [8]) no corpo físico é o exercício (uso) das faculdades (capacidades) do Espírito encarnado (o desenvolvimento ou formação dos órgãos do corpo físico é uma consequência, portanto), então não existirão conclusões irracionais (a respeito desse assunto). Por comparação, os músculos do corpo se desenvolvem como uma consequência direta da utilização dos músculos [9].

 

Vamos utilizar uma comparação trivial (simples), mesmo assim verdadeira. Por alguns sinais na fisionomia de uma pessoa é possível perceber quando aquela pessoa tem o vício da embriaguez. São os sinais (de embriaguez) que fazem com que aquela pessoa seja um bêbado, ou é o vício da embriaguez que produz aqueles sinais?

 

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Então, podemos dizer que os órgãos (do corpo físico) é que recebem a marca (cunho) das faculdades (capacidades) do Espírito.

 

 


 

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[1]        Um Espírito encarnado precisa necessariamente usar os órgãos do corpo físico para se manifestar (falar, ouvir, pensar, etc.) no mundo físico. Se os órgãos do corpo físico (o cérebro, por exemplo) não estão completamente desenvolvidos (formados), as manifestações do Espírito encarnado ficam limitadas ou impedidas. Ver também questões 352 e 369.

[2]        Na verdade, existe uma interdependência entre as faculdades do Espírito e os órgãos do corpo físico, cada um tendo uma influência sobre o outro. Um Espírito que tenha uma inteligência desenvolvida não poderá – em certos casos – influenciar o desenvolvimento (formação) completo do cérebro do corpo físico onde aquele Espírito tenha encarnado, por exemplo (por motivo de expiação ou por motivo de prova – ver questão 180, 373, e 375).

[3]        Sic Erat Scriptum: traduzido como "assim estava escrito".

[4]        O Espírito existe independente de um corpo físico (que é algo temporário na vida eterna do Espírito). Então, se o Espírito (errante) tem predisposições, aquelas predisposições não podem depender de um corpo físico pois o Espírito possui um corpo físico apenas temporariamente em algumas ocasiões (encarnações). Portanto, as predisposições de um Espírito (encarnado) não podem ser uma consequência dos órgãos de um corpo físico que o Espírito possa estar utilizando em alguma encarnação.

[5]        Isaac Newton: pai da ciência moderna, descobriu o segredo da gravidade.

[6]        Públio Virgílio Maro: foi um poeta romano clássico, autor de três grandes obras da literatura latina.

[7]        Rafael Sanzio: foi um mestre da pintura e da arquitetura da escola de Florença durante o Renascimento italiano.

[8]        Sic Erat Scriptum: traduzido como "assim estava escrito". Talvez a palavra "especializado" devesse ser usada onde Allan Kardec utilizou a palavra "especiais". Os olhos, por exemplo, são órgãos especializados (criados com um propósito único e claramente definido) em nos dar a visão.

[9]        Os músculos são utilizados porque existe uma motivação (vontade) por trás da utilização dos músculos; é essa motivação que causa a utilização dos músculos e – daí – o desenvolvimento dos músculos. Não é o desenvolvimento dos músculos que causa a motivação (vontade) para a utilização dos músculos.

 

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