Parte II: O mundo espírita – Capítulo XI: Os três reinos da natureza – Metempsicose

Livro dos Espíritos: linguagem simplificada - Metempsicose

 

Metempsicose [1]

 

611.

A idéia dos seres vivos [2] tendo uma origem comum no princípio inteligente não é a consagração (reconhecimento) da doutrina da metempsicose?

 

Duas coisas podem ter a mesma origem e podem não se parecer em nada mais tarde.

 

Quem pode olhar para o gérmen que existe na semente de uma árvore e pode reconhecer naquele gérmen a árvore (com suas folhas, flores, e frutos) que irá surgir daquele gérmen mais tarde?

 

A partir do momento em que o princípio inteligente atinge o grau necessário para ser (transformado em) Espírito e para entrar no período humano, o princípio inteligente (agora Espírito) já não tem relação (não se parece) com o seu estado primitivo (anterior), e já não é a "alma" dos animais, da mesma forma que uma árvore já não é mais a semente.

 

Daquilo que é animal, no homem só existe o corpo (físico) e as paixões (gostos) que nascem da influência do corpo (físico) e que nascem da influência do instinto de conservação (preservação) que faz parte da matéria.

 

Portanto, não se pode dizer que o homem é a encarnação do Espírito de um animal. Daí, a metempsicose não é verdadeira como ela é entendida pelos homens.

 

612.

O Espírito que animou (encarnou) o corpo de um homem poderia vir a encarnar em um animal?

 

Isso seria retrogradar (retroceder), e o Espírito não retrograda (retrocede). Um rio não retorna para a sua nascente. [3]

 

613.

Mesmo que a idéia ligada à metempsicose esteja toda errada, aquela idéia não seria resultado do sentimento intuitivo que o homem tem sobre as suas diferentes existências?

 

Na crença da metempsicose, assim como em muitas outras crenças, pode ser encontrado aquele sentimento intuitivo. Porém, o homem distorceu (desnaturou) aquele sentimento, como o homem costuma fazer com a maioria das idéias intuitivas que o homem tem.

 

 

 

 

A metempsicose seria verdadeira se a metempsicose indicasse (tivesse o significado) a progressão (evolução) da alma passando de um estado inferior para um estado superior (mais adiantado), e – assim – conseguindo desenvolvimentos (crescimentos) que levassem à transformação da natureza da alma.

 

Mas a metempsicose é falsa quando significa a transmigração [4] direta da "alma" do animal para o homem – e vice-e-versa – pois isso implicaria na idéia de uma retrogradação (retrocesso), ou na idéia de uma fusão. Ora, uma fusão (acasalamento e reprodução) não é possível entre os seres corporais das duas espécies (animais e homem), e esse fato mostra que as duas espécies dão de graus (naturezas) que não podem ser misturados, e – portanto – a mesma coisa (naturezas diferentes) deve acontecer com relação aos Espíritos que encarnam naquelas espécies.

 

Se um mesmo Espírito pudesse encarnar em um homem em um instante, e em um animal no instante seguinte – e vice-e-versa – a consequência seria a existência de uma identidade (igualdade) de natureza (do princípio inteligente de um animal, e do princípio inteligente do homem), e aquela identidade de natureza levaria para a possibilidade da reprodução material.

 

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Da forma como os Espíritos (superiores) ensinam sobre a reencarnação, a reencarnação se baseia – ao contrário – na marcha ascendente da natureza e se baseia na progressão do homem dentro da sua própria espécie (corporal), e isso não diminui a dignidade do homem em nada. Aquilo que rebaixa (espiritualmente) o homem é o mau uso que o homem faz das faculdades (capacidades) que Deus deu para o homem para que o homem progrida (evolua).

 

Seja como for, a antiguidade e o alcance universal (global, na Terra) da doutrina da metempsicose – bem como o fato de que homens eminentes defenderam a doutrina da metempsicose – provam que o princípio da reencarnação tem suas raízes na própria natureza. Portanto, a antiguidade e o alcance universal da doutrina da metempsicose são argumentos a favor do princípio da reencarnação, e não contra o princípio da reencarnação.

 

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O ponto inicial do Espírito é uma dessas questões que fazem parte da origem das coisas, e sobre isso Deus guarda segredo. O homem não tem absolutamente permissão alguma para conhecer a origem da coisas, e a única coisa que o homem pode fazer são suposições, criando "sistemas" (de explicação) que são mais, ou menos, prováveis.

 

Até mesmo os Espíritos não conhecem (sabem) tudo, e os Espíritos (assim como os homens) podem ter opiniões mais, ou menos, sensatas sobre aquilo que eles (Espíritos) não sabem.

 

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Tanto é assim que nem todos os Espíritos pensam da mesma forma sobre as relações existentes entre os homens e os animais (por exemplo). Segundo alguns Espíritos, o Espírito não chega ao período humano antes de ter se elaborado (desenvolvido) e individualizado passando pelos diversos graus dos seres inferiores da criação (divina). Segundo outros Espíritos, o Espírito do homem teria sempre pertencido à raça humana, sem ter passado pela peneira da existência animal.

 

O primeiro desses sistemas (de explicação) tem a vantagem de estabelecer um alvo (ponto de chegada) para o futuro dos animais, que – então – seriam os primeiros elos da cadeia dos seres pensantes.

 

O segundo desses sistemas (de explicação) é mais ajustado (conforme) à dignidade do homem, e pode ser resumido da maneira que segue.

 

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As diferentes espécies de animais não procedem intelectualmente (espiritualmente) umas das outras, por meio de uma progressão de uma espécie para outra seguinte. Assim, o espírito ("alma") da ostra não vai se tornando sucessivamente o espírito do peixe, o espírito do pássaro, o espírito do quadrúpede, e o espírito do quadrúmano [5].

 

Fisicamente e moralmente (intelectualmente) cada espécie é um tipo absoluto (único em si mesmo), e cada um dos animais de uma espécie retira da fonte universal a quantidade do princípio inteligente que o animal precisa, de acordo com a "perfeição" dos órgãos do corpo físico do animal, e de acordo com o trabalho que o animal tenha que executar nos fenômenos da natureza. Quando o animal morre, o animal devolve para a fonte universal aquela quantidade de princípio inteligente que havia sido utilizada pelo animal durante sua vida (física).

 

Da mesma forma, os animais dos mundos mais adiantados do que a Terra (ver questão 188) formam raças (espécies) distintas que são apropriadas para as necessidades daqueles mundos, e que são apropriadas para o grau de adiantamento dos homens que vivem naqueles mundos (auxiliando os homens, como na Terra). Mas de modo algum os animais dos mundos mais adiantados do que a Terra procedem dos animais da Terra, espiritualmente falando.

 

Mas com o homem as coisas são diferentes. Do ponto de vista físico (material), é evidente que o homem é um elo da cadeia dos seres vivos. Porém, do ponto de vista moral existe uma interrupção na continuidade (ligação) entre o homem o animal.

 

O homem possui sua própria alma [6], ou Espírito, uma centelha divina que dá para o homem o senso moral, que dá para o homem um alcance (capacidade) intelectual que falta para os animais. No homem o Espírito é o ser principal que existe antes do corpo (físico), e que sobrevive depois da morte do corpo (físico), conservando a sua individualidade [7].

 

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Qual é a origem do Espírito? Qual é o ponto inicial do Espírito? O Espírito é formado do princípio inteligente individualizado? Todas essas perguntas representam mistérios que seria inútil tentar desvendar, e – como dissemos – são mistérios sobre os quais nada mais pode ser feito além de construir sistemas (de explicação).

 

O que é certo (conhecido), o que se destaca do raciocínio e da experiência, é o fato da sobrevivência do Espírito (após a morte física), é o fato da conservação da individualidade do Espírito após a morte física, é a faculdade (capacidade) do Espírito progredir, é o estado feliz ou desgraçado (infeliz) do Espírito de acordo com o adiantamento do Espírito no caminho do bem (e todas as verdades morais que são consequência do princípio do adiantamento no caminho do bem).

 

No que diz respeito às relações misteriosas que existem entre o homem e os animais, esse assunto – repetimos – está entre os segredos de Deus, como muitas outras coisas. O conhecimento atual (neste momento) daquelas coisas não importa nada para o progresso (espiritual) do homem, e seria inútil ficar parado (pensando) sobre aquelas coisas.

 

 


 

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[1]        Metempsicose: uma teoria que prega que espíritos possam encarnar em animais, e não apenas na espécie humana.

[2]        Observar que apesar de não ter sido dito, por "seres vivos" Allan Kardec quer de fato dizer – nesse contexto – "seres vivos inteligentes" pois as plantas também são seres vivos (sem inteligência). Ver questão 586.

[3]        Ver questão 118.

[4]        TRANSMIGRAÇÃO: ação de um povo que passa de uma região a outra. Por comparação, a ação de uma alma que passa de um corpo físico para outro corpo físico entre encarnações sucessivas.

[5]        QUADRÚMANO: que tem quatro mãos: os macacos são quadrúmanos.

[6]        O princípio inteligente existente no homem não é retirado de uma fonte universal, nem é devolvido para uma fonte universal. O princípio inteligente (Espírito) do homem é permanente e eterno.

[7]        O Espírito não conserva apenas a sua individualidade, o Espírito conserva também – e mais importante – a consciência do seu "eu". As "almas" dos animais também conservam suas individualidades (ver questão 598), mas apenas o Espírito do homem conserva a consciência do seu "eu" (a consciência do seu "eu" é a principal qualidade do Espírito, ver questão 600).

 

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