Parte III: Leis morais – Capítulo II: Lei de adoração – Sacrifícios

Livro dos Espíritos: linguagem simplificada - Sacrifícios

 

Sacrifícios  

 

669.

O uso dos sacrifícios humanos vai até a mais remota antiguidade. Como pode ser explicado que o homem tenha sido levado a acreditar que os sacrifícios humanos pudessem agradar a Deus?

 

Em primeiro lugar, porque o homem não compreendia Deus como sendo a fonte da bondade. Nos povos primitivos a matéria sobrepuja (tem mais força do que) o espírito. Os povos primitivos se entregam aos instintos do animal selvagem. É por essa razão que os povos primitivos são cruéis em geral: o senso moral não está desenvolvido (formado) nos povos primitivos.

 

Em segundo lugar, é natural que os povos primitivos acreditassem que uma criatura animada (viva) teria muito mais valor aos olhos de Deus do que um corpo material (sem vida) teria. Foi esse pensamento dos povos primitivos que levou os povos primitivos a sacrificarem animais em primeiro lugar, e a sacrificarem homens mais tarde. De acordo com essa crença falsa que os povos primitivos tinham, aqueles povos pensavam que o valor do sacrifício aumentava conforme a importância da vítima.

 

Na vida material, da forma como os homens conduzem a vida material, se o homem quer oferecer um presente para uma pessoa, o homem escolhe um presente que tenha um valor que demonstre o (tamanho do) afeto e a consideração do homem pela pessoa presenteada. A mesma coisa (pensamento) tinha que acontecer entre os homens ignorantes com relação a Deus.

 

669a.

De acordo com essa explicação, então os sacrifícios de animais vieram antes dos sacrifícios humanos?

 

Sim, sobre isso não pode haver dúvida.

 

669b.

Ainda de acordo com essa explicação, os sacrifícios humanos não nasceram de um sentimento de crueldade (do homem)?

 

Não. Os sacrifícios humanos não nasceram de um sentimento de crueldade do homem. Os sacrifícios humanos nasceram de uma idéia errônea (equivocada) sobre a (melhor) maneira de agradar a Deus. Pensem no que aconteceu com Abraão.

 

Com o correr  dos tempos, os homens passaram a abusar dessas práticas, sacrificando os seus inimigos, e sacrificando até mesmo os seus inimigos particulares (pessoais).

 

Entretanto, Deus nunca exigiu qualquer desses sacrifícios, seja de homens e sequer de animais. Não dá para imaginar que o culto a Deus possa ser prestado com a destruição inútil das criaturas de Deus.

 

670.

Pode ser que os sacrifícios humanos realizados com uma intenção piedosa tenham alguma vez agradado a Deus?

 

Não, nunca.

 

Porém, Deus julga de acordo com a intenção (do homem). Aqueles homens eram ignorantes, e era natural que aqueles homens pensassem que estivessem praticando um ato louvável quando aqueles homens sacrificavam os seus semelhantes. Nesses casos, Deus levava em consideração apenas a idéia (intenção) por trás daqueles atos; Deus não levava em consideração os atos (sacrifícios) em si.

 

Conforme os homens foram se melhorando (moralmente), os homens tiveram que reconhecer o erro daquilo que estavam praticando, e tiveram que reprovar tais sacrifícios; as idéias dos Espíritos esclarecidos não podiam se conformar com os sacrifícios. Dizemos "esclarecidos" no sentido de que os Espíritos estavam envolvidos (encarnados) no véu material (corpo físico), mas tinham o livre-arbítrio que permitia que aqueles homens vislumbrassem (percebessem vagamente) as suas origens (espirituais); muitos homens – então – compreendiam por intuição o mal que estavam praticando (nos sacrifícios) [1], se bem que nem por isso aqueles homens deixassem de praticar os sacrifícios para satisfazer às suas paixões (gostos).

 

671.

O que deve ser pensado sobre as chamadas "guerras santas"? Os povos fanáticos tem um sentimento que impele (incentiva) aqueles povos a exterminarem (matarem) a maior quantidade possível de outros homens que não compartilham (concordam com) as crenças daqueles povos fanáticos. Tais povos fanáticos estão – assim – procurando agradar a Deus. A origem daquele sentimento de tais povos fanáticos poderia ser equiparada (visto como igual) à origem do sentimento que levava aqueles povos (fanáticos) a sacrificarem os seus semelhantes em um tempo passado?

 

Aqueles povos fanáticos são impelidos (incentivados) pelos Espíritos maus (imperfeitos). Quando aqueles povos guerreiam com seus semelhantes, aqueles povos estão indo contra a vontade de Deus que manda que cada homem ame o seu irmão (em Deus) como ama a si mesmo.

 

Todas as religiões – ou melhor, todos os povos – adoram um mesmo Deus, qualquer que seja o nome que um povo use para Deus. Por que, então, um povo tem que promover uma guerra de extermínio (matança) contra outro povo usando a alegação de que a religião do povo sendo exterminado é diferente, ou usando a alegação de que a religião do povo sendo exterminado não atingiu ainda o grau de progresso da religião dos povos esclarecidos?

 

Se os povos que não acreditam na palavra de Jesus (aquele que era animado pelo espírito de Deus e que foi enviado por Deus) são desculpáveis – ainda mais se não viram Jesus (com os próprios olhos) e não testemunharam os atos de Jesus – como pode ser esperado que aqueles povos acreditem na palavra de paz (ensinada por Jesus) se a palavra (de paz) de Jesus é levada para aqueles povos de espada em punho?

 

Os povos que não acreditam na palavra de Jesus terão que se esclarecer, não há dúvida. Mas os esforços devem ser para que aqueles povos conheçam a doutrina do Cristo através da persuasão (convencimento) e com brandura (suavidade), e nunca a ferro e fogo.

 

A maioria dos homens não acredita nas comunicações dos Espíritos com certos mortais, então como querer que uma pessoa estranha (sic [2]) acredite no que está sendo dito por alguém se os atos desse alguém desmentem a doutrina que esse alguém está pregando?

 

672.

A oferenda feita a Deus de frutos da terra tinha aos olhos de Deus mais mérito (valor) do que o sacrifício de animais?

 

Isso já foi respondido quando foi dito que Deus julga de acordo com a intenção (do homem), e que Deus dá pouca importância para o fato (oferenda) em si mesmo. É claro que para Deus é mais agradável que os frutos da terra sejam oferecidos para Ele, ao invés do sangue de vítimas.

 

Como temos dito e como iremos sempre repetir, a prece proferida (feita) do fundo da alma agrada a Deus cem vezes mais do que todas as oferendas que o homem possa fazer (a Deus). Repetimos que a intenção é tudo, e que o fato (ato) não vale nada.

 

673.

Se as oferendas a Deus fossem consagradas (dedicadas) para minorar (diminuir) os sofrimentos dos homens para quem falta o necessário (materialmente), isso não seria um meio de tornar as oferendas mais agradáveis a Deus? [3] O sacrifício de animais era abusivo quando aquele sacrifício (em oferendas a Deus) não servia para nada, ou quando aquele sacrifício era realizado apenas para o proveito de homens que não precisavam de nada (materialmente); mas no caso do sacrifício de animais (em oferendas a Deus) com um propósito útil, o sacrifício de animas não se tornaria algo meritório (de valor)? Não existiria alguma coisa de verdadeiramente piedosa se as primícias (melhores partes) dos bens que Deus dá para os homens na Terra fossem consagradas (dedicadas em oferendas) em nome dos pobres?

 

Deus sempre abençoa os homens que fazem o bem. A melhor forma de honrar a Deus é minorar (diminuir) os sofrimentos dos pobres e dos aflitos.

 

Isso não quer dizer que Deus desaprove as cerimônias que o homem pratica para dirigir preces a Ele. Porém, muito dinheiro é gasto naquelas cerimônias, e aquele dinheiro poderia ser empregado de forma mais útil do que é empregado.

 

Deus ama a simplicidade em tudo.

 

O homem que se prende às manifestações exteriores – e não ao coração – é um Espírito de vistas acanhadas (visão curta que não enxerga mais longe). Digam – em (sã) consciência (seriamente) – se Deus deve atender (prestar atenção) mais à forma (aparência) do que ao fundo (intenção).

 


 

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[1]        É nesse sentido que os Espíritos seriam Espíritos "esclarecidos".

[2]        Sic Erat Scriptum: traduzido como "assim estava escrito".

[3]        No caso, realizar os sacrifícios para pedir a Deus em favor dos necessitados (ao invés de pedir em favor próprio).

 

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