Parte III: Leis morais – Capítulo V: Lei de conservação – Privações voluntárias, mortificações

Livro dos Espíritos: linguagem simplificada - Privações voluntárias, mortificações

 

Privações voluntárias, mortificações [1]

 

718.

A lei de (auto) conservação obriga o homem a prover (cuidar) às necessidades do corpo (físico)?

 

Sim, porque sem força e saúde o trabalho é impossível.

 

719.

O homem merece censura se o homem procura o (próprio) bem-estar?

 

O desejo pelo (próprio) bem-estar é natural. Deus só proíbe o abuso porque o abuso vai contra a (auto) conservação [2]. Deus não condena o homem se o homem procura o (próprio) bem-estar, desde que o (próprio) bem-estar do homem não seja conseguido às custas de outros homens, e desde que o (próprio) bem-estar do homem não diminua nem as forças físicas do homem e nem as forças morais do homem [3].

 

720.

As privações (renúncias) voluntárias [4] que o homem realiza com o objetivo de realizar uma expiação (purificação) também voluntária tem mérito (valor) aos olhos de Deus?

 

Se o homem fizer o bem para os semelhantes o homem terá mais mérito (valor aos olhos de Deus) do que o homem teria com as privações voluntárias [5].

 

720a.

Há privações (renúncias) voluntárias que tenham mérito (valor) aos olhos de Deus?

 

Há: é a privação (renúncia) dos gozos (prazeres) inúteis [6], porque tal privação (renúncia) desliga (distancia) o homem da matéria e – assim – eleva a alma do homem.

 

Meritório (de valor) é resistir à tentação que arrasta o homem para o excesso ou para o gozo (prazer) das coisas inúteis. Meritório (de valor) é o homem retirar daquilo  que é necessário para si próprio para dar para quem não tem nem o bastante.

 

Se a privação (renúncia) não passar de um simulacro (fingimento) apenas, a privação será uma zombaria.

 

721.

De algum ponto de vista, a vida de mortificações ascéticas [7] – que desde a antiguidade mais remota teve praticantes entre os diversos povos – tem mérito (valor)?

 

Procurem saber quem tira proveito das mortificações ascéticas e terão a resposta.

 

Se a mortificação ascética só serve (beneficia) quem a pratica – e impede a prática do bem – então é egoísmo seja qual for o pretexto que queiram usar como justificativa (para a mortificação).

 

Privar a si próprio e trabalhar para os outros é a verdadeira mortificação segundo a caridade cristã.

 

722.

A abstenção (renúncia) de certos alimentos prescrita (recomendada) na tradição de diversos povos [8] é racional (faz sentido)?

 

O homem tem permissão para se alimentar de tudo aquilo que não prejudique a saúde do homem.

 

Porém, alguns legisladores (autoridades) tiveram algum fim (objetivo) útil e entenderam que o uso de certos alimentos deveria ser proibido [9]. Então aqueles legisladores (autoridades) apresentaram suas leis (proibições) como sendo vindas de Deus, querendo com isso dar mais autoridade (peso) para a lei (proibição).

 

723.

A alimentação animal vai contra a lei da natureza no que diz respeito ao homem?

 

Levando em conta a constituição física (corpo físico) do homem, a carne alimenta a carne. Sem a carne como alimento o homem fica debilitado (fraco).

 

A lei de (auto) conservação prescreve (determina) para o homem o dever de manter as próprias forças, e o dever de manter a própria saúde para que o homem cumpra a lei do trabalho. Portanto, o homem deve se alimentar de acordo com as exigências do organismo do homem.

 

724.

É meritório (tem valor) se o homem se abstiver (renunciar) da alimentação animal, ou se abstiver de qualquer (algum) outro tipo de alimentação, por motivo de expiação (purificação)?

 

Sim, isso é meritório (tem valor) se o homem praticar aquela privação (renúncia) em benefício dos outros. Porém, aos olhos de Deus só existe mortificação se houver uma privação (renúncia) séria e útil. Por isso é que chamamos de hipócritas os homens que se privam de alguma coisa apenas na aparência [10].

 

725.

O que se deve pensar a respeito das mutilações executadas no corpo do homem ou no corpo dos animais?

 

Qual é o propósito desta pergunta? Novamente, sempre perguntem a si mesmos se alguma coisa é útil.

 

Uma coisa que seja inútil não pode agradar a Deus, e aquilo que for nocivo (causar prejuízo ou mal) sempre será desagradável para Deus. Fiquem sabendo que Deus é sensível aos sentimentos que elevam a alma do homem até Ele. Obedecendo a lei de Deus, ao invés de ir contra a lei de Deus, é que o homem irá conseguir se livrar do jugo (prisão) da matéria terrestre.

 

726.

Já que os sofrimentos deste mundo elevam o homem (espiritualmente) – se o homem suportar aqueles sofrimentos da maneira como aqueles sofrimentos devem ser suportados [11] – os sofrimentos que o próprio homem cria também elevam o homem (espiritualmente)?

 

Os sofrimentos naturais [12] são os únicos que elevam o homem (espiritualmente) porque os sofrimentos naturais vem de Deus. Os sofrimentos voluntários (criados pelo homem) não servem para nada quando aqueles sofrimentos voluntários não contribuem para o bem dos outros.

 

Por acaso o homem pensa que existe adiantamento no caminho do progresso quando o homem encurta a vida através de rigores (sofrimentos) sobre-humanos, como é o costume dos bonzos (monges budistas), como é o costume dos faquires (da Índia), como é o costume de alguns fanáticos de muitas seitas? Por que, ao invés disso, não trabalham pelo bem dos seus semelhantes ao invés daquilo?

 

Deem roupas para os indigentes (pobres), consolem aqueles que choram, trabalhem por aqueles que estão doentes, sofram privações para aliviar os infelizes, e – então – suas vidas serão úteis e irão agradar a Deus.

 

Quando alguém sofre voluntariamente apenas para o próprio bem, é egoísmo. Sofrer pelos outros é caridade: esses são os preceitos (recomendações) do Cristo.

 

727.

Uma vez que o homem não deve criar sofrimentos voluntários que não tenham nenhuma utilidade para os outros, o homem deve ter cuidado para se preservar (poupar) dos sofrimentos que o homem esteja prevendo, ou dos sofrimentos que estejam ameaçando o homem?

 

O instinto de (auto) conservação foi dado para os seres para que os seres tomem cuidado contra os perigos e os sofrimentos.

 

Castiguem o Espírito ao invés de castigar o corpo (físico). Mortifiquem (castiguem) o orgulho, sufoquem o egoísmo que se parece com uma serpente roendo o coração do homem, e – assim – o homem fará muito mais pelo seu próprio adiantamento (espiritual) do que o homem faz quando o homem aplica a si próprio rigores (sofrimentos) que já não fazem parte deste século.

 


 

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[1]        MORTIFICAR; entorpecer, suprimir ou extinguir a vitalidade ou o vigor; castigar ou machucar (o corpo) com penitências.

[2]        Os abusos cometidos pelo homem causam problemas e doenças para o homem e prejudicam a (auto) conservação do homem. Como a lei de (auto) conservação é uma lei da natureza (lei de Deus), qualquer coisa que vá contra aquela lei de (auto) conservação vai também contra a lei de Deus.

[3]        Se o homem emprega todas as suas forças físicas na procura do próprio bem-estar, então tal homem está sendo egoísta e usando forças físicas que poderiam (em parte) ser empregadas em favor dos outros. Se um homem se torna avarento na procura do próprio bem-estar, então está acontecendo uma diminuição das forças morais de tal homem.

[4]        O jejum, o celibato (renúncia ao casamento), a abstenção do álcool ou de qualquer gozo (prazer) material são exemplos de "privações (voluntárias)".

[5]        Os Espíritos superiores não disseram que as "privações voluntárias" não tem mérito (valor) aos olhos de Deus. Os Espíritos superiores apenas disseram que há outras ações do homem que tem mais mérito (valor) aos olhos de Deus. Ver também a questão seguinte.

[6]        Se há gozos (prazeres) inúteis, então deve haver gozos (prazeres) úteis: são os gozos (prazeres) dentro de certos limites que proporcionam um bem-estar para o homem e – assim – permitem que o homem esteja em condições melhores de cumprir a vontade de Deus.

 [7]        ASCÉTICO: diz respeito à abstenção (renúncia) dos prazeres e do conforto material, em busca do aperfeiçoamento ou da perfeição espiritual; que se dedica ao aperfeiçoamento espiritual; místico.

[8]        Por exemplo, o povo judeu não consome carne de porco, a na Índia a vaca é sagrada.

[9]        Por exemplo, o consumo de carne de porco mal preparada causa o risco da ingestão de certos parasitas que provocam graves problemas de saúde para o homem. Se em uma determinada região existe o costume de consumo de carne de porco mal preparada, então as autoridades da região poderiam proibir o consumo de carne de porco para evitar problemas generalizados (constantes) na população, e isso seria o fim (objetivo) útil da proibição.

[10]       Ver também questão 720.

[11]       Os sofrimentos deste mundo devem ser suportados com aceitação, com coragem, e com determinação, sejam aqueles sofrimentos quais forem, durem aqueles sofrimentos o quanto durem.

[12]       Os sofrimentos naturais são aqueles das provas e expiações que o Espírito escolheu suportar em uma existência física. Ver questão 258 a 273 sobre "escolha das provas".

 

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