Parte II: O mundo espírita – Capítulo II: Encarnação dos Espíritos – Materialismo
Materialismo
147. | Por que é que os anatomistas, os fisiologistas e, em geral, os homens que se aprofundam nas ciências naturais, acabam se tornando materialistas com tanta frequência? | |
| – | Um fisiologista percebe tudo com os olhos (limitados) de sua própria ciência [1]. Isso é orgulho dos homens que pensam que sabem tudo e não admitem que possa existir qualquer coisa que esteja acima do entendimento deles próprios. A própria ciência que esses homens cultivam enche esses homens de presunção. Esses homens pensam que a natureza não pode ter segredos para eles. |
148. | Não é de lastimar que o materialismo seja uma consequência de estudos (científicos) que deveriam, contrariamente, mostrar ao homem a superioridade da inteligência que governa o mundo? Deve-se concluir daí que os estudos (científicos) são perigosos? | |||
| – | Não está certo dizer que o materialismo é uma consequência desses estudos. É o homem quem tira (por conta própria) uma consequência falsa (materialismo) daqueles estudos, já que é permitido (possível) que o homem abuse de tudo, até mesmo das melhores coisas. Além disso, não existe qualquer coisa que cause mais medo ao homem do que a possibilidade do "nada" (mesmo que os homens não queiram que esse medo seja percebido). Os Espíritos ditos "fortes" (entre os homens) são quase sempre apenas fanfarrões [2], ao invés de serem realmente "fortes". Na sua maioria esses homens só são materialistas porque não tem como encher (explicar) o vazio que está diante deles (o vazio que é preenchido pelo mundo espiritual). Se eles tiverem uma âncora de salvação (do medo), eles irão se agarrar à âncora bem rapidamente. | ||
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Por um engano da inteligência (raciocínio) há pessoas que veem apenas a ação da matéria nos seres orgânicos, e que pensam que todos os atos dos homens são causados pela ação da matéria. Esses homens que pensam assim veem o corpo físico como uma máquina apenas. Esses homens estudaram o mecanismo da vida – e o repetido término da vida – apenas através do funcionamento dos órgãos físicos. Esses homens observaram a vida física terminar como se um fio (elétrico) tivesse se rompido, e não conseguiram encontrar mais nada depois que o fio foi quebrado. Esses homens tentaram descobrir se restava alguma coisa depois que o fio tivesse sido rompido, e não acharam nada que não fosse (apenas) a matéria (morta). Esses homens não viram uma alma escapar do corpo físico morto, esses homens não puderam capturar uma alma que abandonasse o corpo físico morto, e então – por causa disso – chegaram à conclusão de que tudo estava contido nas propriedades da matéria, e chegaram à conclusão de que o pensamento também tinha um fim com a morte (física).
Se isso fosse verdade, se isso fosse real, então isso seria uma triste consequência da morte física porque – então – o bem e o mal não teriam qualquer propósito, e o homem teria razão (motivo) para pensar apenas em si mesmo, o homem teria razão para colocar a satisfação de seus desejos materiais acima de todas as coisas. Os laços sociais e as afeições mais santas estariam rompidos e quebrados para sempre (dessa forma).
Felizmente idéias semelhantes a essa estão bem longe de serem gerais entre os homens; ao contrário, idéias semelhantes a essa podem ser consideradas como bastante limitadas a certos grupos (de homens), podem ser consideradas como opiniões individuais de certos homens, haja vista que tais idéias não são uma doutrina em parte alguma. Uma sociedade que tivesse suas fundações em idéias semelhantes àquela traria dentro de si mesma o embrião de sua própria destruição, e os homens que fizessem parte de uma sociedade como essa iriam se devorar uns aos outros como animais ferozes [3].
Por instinto o homem acredita que nem tudo acaba quando a vida física acaba. O "nada" causa horror ao homem. Não adianta o homem teimar contra a idéia de uma vida futura (após a morte física). Quando o momento da morte física chega, bem poucos homens não se perguntam o que vai acontecer com eles, porque a idéia de deixar a vida para sempre é bastante dolorosa para o homem. Quem poderia – de fato – ser totalmente indiferente à uma separação definitiva e eterna de tudo que foi objeto de seu amor? Quem poderia sem terror ver à sua frente um abismo sem fim do "nada" que enterrasse para sempre todas as suas faculdades (capacidades), todas as suas esperanças, a ponto desse alguém chegar a dizer para si mesmo: "Ah! depois de mim, nada, nada mais, apenas o vácuo, está tudo acabado para sempre; mais alguns dias e ninguém vai se lembrar de mim mais; dentro de pouco tempo não vai sobrar mais nenhum sinal da minha passagem pela Terra, e até mesmo o bem que fiz será esquecido pelos ingratos que ajudei. E não há nada para compensar tudo isso, não há nenhuma outra alternativa além do fim permanente com meu corpo roído pelos vermes!".
Esse quadro não tem alguma coisa de horrível, de gelado? A religião ensina que as coisas não podem ser assim e a razão (raciocínio) concorda com a religião. Mas o homem precisa de "certezas" e a idéia de uma existência futura vaga e não muito bem definida não é suficiente para satisfazer o homem. Por isso essa idéia (existência futura vaga e não muito bem definida) provoca a dúvida nos homens.
Digamos que possuímos uma alma, mas o que é a nossa alma? A alma tem uma forma, tem uma aparência qualquer? A alma é um ser que possa ser delimitado (como um corpo físico que tem contornos), ou é uma coisa indefinida? Algumas pessoas dizem que a alma é um sopro de Deus, outras pessoas dizem que a alma é uma centelha, outras pessoas dizem que a alma é uma parcela do "grande Todo" (princípio da vida e da inteligência). Mas, de tudo isso o que é que ficamos sabendo (de fato)?
Do que vale ter uma alma se a alma desaparece na imensidade quando a vida termina, como um rio desaparece quando se mistura ao mar? Perder a nossa individualidade (personalidade) com a morte física não é a mesma coisa que o "nada"? Também é dito que a alma é imaterial. Ora, uma coisa imaterial não possui proporções bem definidas e – sendo assim – para nós (homens) é a mesma coisa que "nada".
A religião ainda ensina que seremos felizes ou desgraçados de acordo com o bem, ou com o mal, que foi praticado (durante a vida material). Mas o que é exatamente essa "felicidade" que nos espera junto a Deus? Essa "felicidade" será um estado de bem-aventurança, de contemplação (meditação) eterna, sem qualquer outra preocupação que não seja cantar louvores ao Criador?
O que são as chamas do inferno: uma realidade, ou um símbolo? A própria Igreja diz que as "chamas do inferno" são um símbolo; mas – então – o que são os sofrimentos do inferno? Onde está esse lugar de suplício (o inferno)?
Resumindo, o que os seres daquele outro mundo fazem, o que os seres veem nesse outro mundo que espera por todos (após a morte física)? Dizem que ninguém jamais voltou daquele outro mundo para contar. Contar sobre todas essas perguntas e questões é um erro (sic) [4] e a missão do Espiritismo é exatamente a de nos esclarecer sobre esse futuro (e de responder à todas as perguntas que acabaram de serem feitas). A missão do Espiritismo é exatamente fazer com que – até certo ponto – possamos tocar e ver aquele outro mundo, mas não apenas usando nosso raciocínio, e sim através dos fatos.
Graças às comunicações dos Espíritos, (a vida futura) não se trata mais de uma simples suposição. Não se trata mais de uma possibilidade que cada um considere como provável da forma que bem queira. Não se trata mais de alguma coisa que possa ser embelezada pelos poetas em suas imaginações. Não se trata mais de alguma coisa que possa estar carregada de imagens simbólicas enganadoras (como a do inferno, por exemplo). As comunicações dos Espíritos são a realidade que aparece para os homens pois são os próprios seres de além-túmulo que descrevem para os homens a situação em que aqueles seres se encontram. São os próprios seres de além-túmulo que descrevem para os homens o que eles fazem, e – assim – permitem que os homens tomem conhecimento de todas as circunstâncias da vida que aqueles seres tem, e por consequência permitem que o homem conheça a sorte inevitável que espera o homem (após a morte física) de acordo com os merecimentos e desmerecimentos que o homem tiver.
Existe nisso alguma coisa que seja anti religioso? Muito pelo contrário pois os incrédulos encontram nisso tudo um motivo para a fé, e os desanimados encontram nisso tudo a renovação do fervor e da confiança. Portanto, o Espiritismo é o mais poderoso auxiliar da religião.
Se o Espiritismo está aí, é porque Deus assim permitiu para que as esperanças vacilantes dos homens sejam revigoradas, e para que a visão de um futuro (feliz) reencaminhe os homens para o caminho do bem. |
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[1] Como um fisiologista não encontra nenhum sinal de "alma" ou de "Espírito" nos corpos que ele abre e estuda, o fisiologista declara que não existe nada além da matéria, e – assim – torna-se materialista. O erro do fisiologista é pensar que a ciência da fisiologia (apenas) seria capaz de responder às questões sobre a "alma" e o "Espírito". Se o fisiologista fosse mais humilde e reconhecesse que a ciência da fisiologia não pode responder à todas as questões, então talvez o fisiologista não chegasse com tanta pressa à conclusão de que não existe nada além da matéria.
[2] FANFARRÃO: quem salienta suas próprias qualidades e / ou uma valentia que não possui de verdade; que mostra uma postura de valente sem ser valente.
[3] Isso ainda acontece em todos os mundos primitivos do universo onde vivem Espíritos encarnados dando seus primeiros passos como seres inteligentes pensantes, da mesma forma como já aconteceu no planeta Terra há muito tempo. São mundos onde vale a "lei do mais forte". Entretanto, em algum ponto, em algum momento, a "lei do mais forte" tem que ser revista por esses Espíritos pois, se a "lei do mais forte" não for revista, a própria sobrevivência da espécie estará ameaçada.
[4] Sic Erat Scriptum: traduzido como "assim estava escrito". Não está claro e não faz sentido por qual razão Allan Kardec afirma que contar sobre o que acontece no mundo espiritual é um erro, já que o Espiritismo diz aos homens exatamente o que acontece no mundo espiritual. Vale observar que essa passagem é uma observação de Allan Kardec, essa passagem não foi ditada pelos Espíritos superiores.
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